Livro infantil e representatividade O príncipe de cabelo crespo

Refletindo sobre livro infantil e representatividade O príncipe de cabelo crespo

Era final dos anos 80 e eu tive acesso à um livro de capa azul, meio gasto, mas  com todas as páginas. 

Sentada no chão o li inteiro e observei bem cada figura, afinal eu amava as ilustrações;

Ele chamava Cinderela!!

História linda, sapatinho de cristal perfeito, belas ilustrações, mas na última página algo me deixou incomodada.

Era um príncipe de cabelo crespo.

E pensei: 

Como assim? 

Não era um príncipe, não poderia ser um príncipe!

Livro infantil e representatividade O príncipe de cabelo crespo
Livro infantil e representatividade O príncipe de cabelo crespo


Eu nunca tinha visto príncipe de cabelo crespo!

E naquela altura já tinha visto muitas histórias ... Eu amava livros e por toda vizinhança não deixava um sequer sem ser lido.

Acabei de ler o a história, reli por diversas vezes, mas o príncipe de cabelo crespo não me saia da memória.

E por lá ficou por muitos anos.

Sempre que via um príncipe em um livro eu pensava naquele de cabelo crespo.


Eu tinha apenas 7 anos.


Era 1988 e lembro disso por conta de aos domingos eu sair com o bendito livro até a pracinha onde tinha uma pipoqueira em que eu vi alguém escrever com tinta vermelha… 1988


Naquela época príncipe de cabelo crespo não existia, ainda mais em livro infantil.


Representatividade ZERO para crianças negras.


Mas, criança tem preconceito?


Não sei se posso chamar de preconceito ou de confusão mental por conta dos padrões que são impostos para elas.


Sei que eu aos 7 anos de idade tinha certeza absoluta que não existia príncipe de cabelo crespo e aquela ilustração me deixou confusa.


Eu já tinha visto nas novelas, empregada de cabelo crespo,  pedreiro de cabelo crespo.


E na minha vida  tinha meu pai, minha mãe, meu avô, minhas irmãs , todos de cabelos crespos.


Mas um príncipe? UM PRÍNCIPE!!!??!!!


Eu continuava relendo a história e tentando retirar o príncipe daquele contexto.


Era como se ele não coubesse naquele espaço, naquele palácio, naquela posição.


Percebe como na mente de uma criança que muitos avaliam que não pensa questões raciais estão presentes indagações, dúvidas e até mesmo incômodos que são  frutos de preconceitos adquiridos na sociedade


E de tanto não ver representatividade e de tanto contarem pra ela a história do povo negro como sendo de escravos e não reis ou príncipes ela não consegue entender?


Constatemente vendo seus ancestrais retratados como fracos e submissos aos brancos até mesmo pela escola, como vocês acham que ela vai criar consciência?

 

E daí vem a importância de se contar histórias, de refletir sobre elas, de escrever a cerca delas e de romper com o modelo estereotipado na literatura infantil.


É fundamental ter uma  variedade de livros infantis que mostre a diversidade humana e a beleza de todos os seres.


Ah se eu soubesse…


Ah se alguém me dissesse aos 7 anos que aquele príncipe de cabelo crespo era tão lindo quanto todos os outros brancos e de olhos azuis de todos os outros livros.


E tão digno e tão merecedor de um castelo como qualquer outro!


TIVE QUE DESCOBRIR ISSO SOZINHA… Mas valeu a pena!


Talvez muitos colegas precisem também descobrir e abraçar o compromisso de promover uma educação anti-racista


Gi Carvalho

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